Para fazer valer a causa
Casamento gay, saneamento básico, cura de doenças... É forte entre as empresas a tendência para apoiar causas que interessam aos consumidores — e, claro, lucrar com isso
Por Aline Scherer
19 set 2014, 14h36

Protesto da fabricante de sorvetes Ben & Jerry’s na Austrália: defesa da Grande Barreira de Corais (Divulgação/)
São Paulo – A fabricante de sorvetes americana Ben & Jerry’s, que pertence à multinacional anglo-holandesa Unilever, esconde a sete chaves os detalhes do evento que vai promover na última semana de setembro para inaugurar sua primeira loja no Brasil, no bairro dos Jardins, em São Paulo.
Mas o que o presidente mundial da marca, o norueguês Jostein Solheim, diz é que a ação dará uma pista aos paulistanos — sobretudo aos que não conhecem a marca — das razões pelas quais a Ben & Jerry’s é tão popular nos 32 países onde está presente. A empresa, que fatura cerca de 500 milhões de dólares, não se tornou conhecida só pelo sabor dos sorvetes — ainda que isso conte, é claro.
Ela apoia publicamente — e de forma criativa — diversas causas, como o combate à desigualdade social e o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Em abril, na Austrália, a Ben & Jerry’s e a ONG ambientalista WWF protestaram juntas contra os danos que a Grande Barreira de Corais vem sofrendo.
“Não temos um processo estruturado para escolher as ações com as quais nos envolvemos”, diz Solheim. “Somos pautados por valores e, quando aparecem oportunidades para que a gente os defenda, não pensamos muito.”
A Ben & Jerry’s despreza o termo, mas é considerada uma das empresas mais bem-sucedidas no que se convencionou chamar de marketing de causa. É uma modalidade que ganha corpo quando uma companhia associa sua marca a uma causa social ou ambiental — geralmente por meio de acordos com ONGs que as defendem.
Uma pesquisa feita nos Estados Unidos pela IEG, consultoria especializada em patrocínios, revelou que as empresas do país investiram cerca de 1,8 bilhão de dólares em campanhas relacionadas a causas em 2013 — 5% mais do que no ano anterior.
Trata-se de um montante até pequeno se comparado aos 13,6 bilhões de dólares investidos em marketing esportivo. Mas há dez anos esse valor se resumia à metade.
“Esse crescimento é uma resposta às expectativas de consumidores que querem que as empresas das quais eles compram se envolvam com temas prementes da sociedade”, diz Ismael Rocha, diretor da faculdade ESPM em São Paulo.
Afinidade e coerência
Apostar em marketing de causa é uma decisão de negócio complexa. Isso porque as companhias devem seguir à risca algumas regras para se dar bem: garantir que haja afinidade entre a bandeira a ser empunhada e o negócio, e coerência entre a causa defendida e as políticas da própria companhia. Tome-se o exemplo do Vim, detergente para banheiro da Unilever.
A marca firmou uma parceria global com o Unicef em 2012. No Brasil, onde o Vim foi lançado em março de 2013, a Unilever produziu vídeos sobre a realidade de crianças que frequentam escolas públicas onde não há banheiros limpos com água corrente. Eles foram visualizados quase 3 milhões de vezes na internet.
A empresa já doou 500 000 reais à entidade no Brasil e, a partir de setembro, destinará a ela 50 centavos de cada garrafa vendida do produto. Esses recursos deverão totalizar outros 500 000 reais até o fim do ano e permitirão que o Unicef ajude prefeituras do país a implementar políticas de saneamento básico que beneficiem crianças e adolescentes.
O americano David Reibstein, professor da escola de negócios Wharton, da Universidade da Pensilvânia, classifica a bandeira que a Unilever escolheu de “certeira”. Isso porque é impossível imaginar algum consumidor que se oponha à ideia de melhorar as condições de vida de crianças.
“Por outro lado, quem decide abraçar causas mais polêmicas deve saber que vai ofender alguns consumidores e deve estar preparado para perdê-los”, diz Reibstein.
Dados de um levantamento exclusivo da agência de publicidade JWT, feito com 500 consumidores brasileiros, ajudam a entender, por exemplo, como a postura diante do tema da homossexualidade ainda é dúbia: 75% do universo pesquisado declarou não se importar com a orientação sexual de personagens em comerciais.
Ironicamente, essas mesmas pessoas acreditam que a maioria dos brasileiros preferiria não ver casais do mesmo sexo em anúncios.
A fabricante de cosméticos Natura entrou nesse terreno pantanoso, mas foi cautelosa. Em 2013, ela colocou em um comercial exibido na TV dois homens sentados num sofá num momento de descontração. Era um teste. Eles poderiam ser namorados ou amigos. O monitoramento nas redes sociais revelou que apenas 2% das manifestações relacionadas à propaganda eram negativas.
